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Por Gabriel Gonzaga

Devidas adequações entre o direito e a tecnologia: Conar arquiva processo contra Volkswagen

Em comemoração ao aniversário de 70 anos da marca, a Volkswagen decidiu inovar outra vez em suas propagandas, utilizando-se da inteligência artificial para colocar lado a lado as cantoras Elis Regina (in memoriam) e Maria Rita, no vídeo de lançamento da ID.Buzz, a nova Kombi.

O anúncio “VW Brasil 70: O novo veio de novo” dividiu a opinião dos consumidores, já que pulverizou no país o debate acerca do uso de “animação” com imagem de personalidade pública (a cantora Elis Regina, falecida em 1945), criada através de inteligência artificial generativa híbrida, com fins comerciais. A partir da polêmica, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) instaurou processo ético em face da montadora, a fim de apurar eventuais infrações da marca ao Código de normas previsto pelo órgão.

Contudo, recentemente foi publicada pelo Conselho a decisão comunicando o arquivamento do procedimento, nos seguintes termos:

“A representação foi motivada por manifestações contrárias e favoráveis de consumidores, sobre dois pontos principais: – se foi respeitoso e ético o uso no anúncio de vídeo recriando a imagem da cantora Elis Regina, falecida em 1982, feita por meio de inteligência artificial generativa híbrida, e – se era necessária informação explícita sobre o uso de tal ferramenta para compor o anúncio.”

Da informação de arquivamento pelo órgão, resta evidente seu posicionamento acerca das questões suscitadas: não há proibição no uso, tampouco perspectiva de punição à marca pela veiculação da peça publicitária.

Quanto à primeira questão discutida nos autos, o entendimento foi de que a marca não violou qualquer previsão do Código em relação à ética no uso de imagem da cantora. Pela forma na qual Elis configurou no vídeo, não se inovou. A atividade desempenhada pela imagem da cantora é a mesma que a consagrou em vida e, tampouco, lhe foi atribuída qualquer ação indevida na ação publicitária.

Uma vez que houve autorização expressa dos herdeiros de Elis à montadora, uma delas inclusive participando ativamente do projeto, não se vislumbrou qualquer violação ética ou à legislação.

Ainda segundo o comunicado, o uso da ferramenta estava suficientemente evidenciado na peça. Parece ser ponto chave da decisão, portanto, a inquestionabilidade de que as imagens tenham sido geradas por IA.

Contudo, trata-se de caso em que há ausência de regulamentação específica acerca do uso de IA generativa pela publicidade.

É dizer que, não sendo o caso de futura regulação sobre o uso da ferramenta em sentido distinto, igualmente não haverá interesse punitivo por parte do Conselho, a menos que outros atos passíveis de punição previstos pelo Código sejam praticados. Não se deve esperar qualquer tipo de proibição nesse sentido, apesar de o órgão ainda carecer, por exemplo, de disposições acerca de aviso sobre o uso de IA.

A partir dessa situação, a 7ª Câmara do Conselho de Ética do CONAR aprovou moção à direção do órgão, a fim de que se promova o acompanhamento e a discussão de futuros casos equiparados ao da Volkswagen, certamente visando o desenvolvimento técnico da discussão.

Fica evidenciada a preocupação da instituição no que tange o futuro da aplicação da IA de forma indiscriminada. Se pode esperar que as regulações acerca da ferramenta se ampliem nos próximos meses e anos, mas fato é que o precedente firmado pelo Conar deve ser basilar para essa regulamentação.

Tanto a perspectiva ética do procedimento previsto pela legislação que rege o uso de imagem, quando as noções de realidade desafiadas pela inteligência artificial, certamente ainda serão pontos controvertidos. Inobstante, a perspectiva trazida pelo CONAR, a ser ainda estudada de forma total quando da publicação da decisão perante o caso da VW, é esclarecedora e deve incentivar, no âmbito de atuação do órgão, a aplicação de inteligência artificial por outras marcas.

Evidentemente, a aplicação de novas tecnologias em diversos setores, como é o caso da inteligência artificial generativa, deve ser difundida e incentivada pelos órgãos reguladores. Não se pode esquecer, contudo, que é dever incansável do direito buscar o aprimoramento e a atualização de suas disposições, sob pena de tornar-se insuficiente ou inaplicável, o que certamente não se pode deixar passar.